Os preceitos evangélicos não são outra coisa, Irmãos Caríssimos, senão os
ensinamentos divinos, fundamentos para edificar a esperança, provações para
robustecer a fé, alimento para nutrir a alma, leme para dirigir a navegação,
presídio para a salvação. Ao mesmo tempo que iluminam os crentes dóceis sobre a
terra, guiam-nos até aos reinos celestes.
1. Deus quis que muitos ensinamentos nos fossem dados por
meio dos Profetas, Seus Servos. Mas quão superiores são as palavras do Seu
Filho, aquelas palavras que o Verbo de Deus, já ressonante nos Profetas, atesta
com a Sua viva voz. Já não é alguém que vem aplanar os caminhos d'Aquele que há
de vir, mas Aquele que veio e nos abre e mostra o caminho. Deste modo os que,
antes, incautos e cegos cambaleavam nas trevas da morte, iluminados agora pela
luz da graça, podem seguir na vida sob a guia e o governo de Cristo.
2. Entre outros conselhos salutares e ensinamentos divinos
com os quais provê à salvação do Seu povo, Cristo deu também a norma da oração,
e Ele mesmo nos mostrou e ensinou como devemos rezar. Aquele que nos deu a
vida, ensinou-nos a pedir, com a mesma benevolência com que Se dignou dar-nos
os outros bens. Assim rezando ao Pai com a oração do Filho, somos mais
facilmente ouvidos.
Já antes tinha anunciado o dia em que os verdadeiros adoradores aprenderiam a adorar o Pai em espírito e em verdade (Jo. 4, 23), mas agora cumpre a promessa e faz de nós, santificados pelo espírito de verdade, verdadeiros e espirituais adoradores, conformes ao Seu ensinamento.
Já antes tinha anunciado o dia em que os verdadeiros adoradores aprenderiam a adorar o Pai em espírito e em verdade (Jo. 4, 23), mas agora cumpre a promessa e faz de nós, santificados pelo espírito de verdade, verdadeiros e espirituais adoradores, conformes ao Seu ensinamento.
Que oração haverá mais espiritual do que aquela que nos ensinou Cristo, o qual enviou sobre nós o Espírito de Verdade? Que oração será mais verdadeira do que aquela que saiu dos lábios de Quem é a verdade?
Portanto, rezar de outra maneira diferente da que Cristo nos
ensinou, não só é um ato de ignorância, mas uma culpa, pois Ele mesmo disse:
“Vós rejeitastes o mandamento de Deus para acreditar na vossa doutrina”
(Mc.7,8).
3. Seja a nossa oração a que o nosso Mestre nos ensinou. É
cara e familiar a Deus a oração composta pelo Seu mesmo Filho. Assim, quando
rezamos, o Pai reconhece as palavras do Filho.
Aquele que é hóspede do nosso coração esteja também nos
nossos lábios. Se Cristo está junto do Pai como advogado para os nossos
pecados, nós pecadores devemos rogar o perdão dos pecados com as mesmas
palavras do Advogado. De fato, se Ele nos prometeu obter tudo o que pedirmos ao
Pai em Seu Nome (Jo. 16, 23), quanto mais eficazmente obteremos o que pedimos
em Nome de Cristo se o pedimos com a Sua mesma oração?
4. Os que rezam, tenham devoção à doçura das palavras.
Pensemos estar na presença de Deus e por isso devemos ser aceites aos Seus
olhos pela atitude do corpo e pela maneira como rezamos. Como é imprudente quem
pede sem piedade, assim a oração convém que seja em tom respeitoso e submisso.
O Senhor ensinou-nos a rezar no silêncio e nos lugares escondidos das nossas
casas. Esta atitude é mais adequada à nossa fé para que saibamos e jamais
olvidemos que Deus está em toda a parte, vê tudo e atende a todos, enche com a
plenitude da Sua majestade os lugares mais recônditos.
Está escrito: “Não sou Eu o Deus do alto e o Deus que está a
teu lado? Se o homem se esconde, deixo acaso de o ver? Não sou Eu que encho o
céu e a terra?” (Jr. 23, 23-24). “Em todo o lugar os olhos de Deus observam os
bons e os maus” (Pv. 15,3). E quando nos juntamos aos outros irmãos para
celebrar com o Sacerdote o Sacrifício divino, devemos recordar-nos de ser
devotos e disciplinados na oração e não espalhá-la ao vento numa seqüência de
palavras, nem dirigi-Ia a Deus precipitadamente, mas sim com propósitos. Deus
não escuta a voz, mas o coração. Deus, que perscruta os pensamentos humanos,
não quer ser rogado com gritos. Diz assim o Mestre: “Que andais vós a ruminar
nos vossos corações” (Lc. 5, 22) e ainda: “Todas as Igrejas saibam que Eu
perscruto os rins e os corações” (Ap. 2, 23).
5. Já nos mostra isto o primeiro Livro dos Reis com o
exemplo de Ana, figura da Igreja. Ana rezava ao Senhor não com palavras
clamorosas mas na humildade e no silêncio com o seu coração. A sua oração era
oculta, mas era manifesta a sua fé. Falava com o coração e não com a boca,
porque só assim era ouvida por Deus. Por isso obteve o que pediu, porque rezou
com fé, como atesta a Sagrada Escritura: “Falava no seu coração. Os seus lábios
moviam-se, mas não se percebia a sua voz. E Deus escutou-a” (1 Re. 1, 13). O
mesmo se lê nos Salmos (5, 5): “Pensai no silêncio dos vossos quartos”.
Jeremias põe na boca de Deus estas palavras: “Encontrar-Me-eis se Me
procurardes com todo o coração” (Jr. 24, 13).
6. Quando rezarmos não esqueçamos o publicano no templo, que
não ousava levantar os olhos ao céu nem se atrevia a elevar as mãos, mas batia
no peito em sinal de detestação dos seus pecados, e assim pedia a ajuda da
misericórdia divina. Enquanto o fariseu se comprazia a si mesmo, o publicano,
com a sua oração, mereceu ser santificado mais, visto que colocou a esperança
da sua salvação não na sua inocência - pois ninguém é inocente - mas na humilde
confissão dos seus pecados. E, Aquele que do Céu perdoa os humildes, ouviu a
sua oração, como se lê na parábola evangélica que se segue: «Dois homens
subiram ao templo para rezar; um era fariseu, o outro era publicano. O fariseu,
de pé, rezava assim: “Eu Te dou graças, ó Deus, porque não sou como os outros
homens, ladrões, injustos, adúlteros; nem tão pouco sou como aquele publicano.
Eu jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus bens”. O
publicano, ao contrário, lá longe, nem se atrevia a erguer os olhos ao céu, mas
batia no peito, dizendo: “Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador”. Pois Eu
vos digo que este voltou justificado para sua casa. Não aconteceu o mesmo com o
outro, pois quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado» (Lc.
18, 10-14).
Também os Apóstolos, com todos os discípulos, rezavam assim
depois da Ascensão do Senhor: «Perseveravam todos unanimemente na oração, com
as mulheres e com Maria, Mãe de Jesus, e com os Seus irmãos» (At. 1, 14).
Perseveravam concordemente na oração e assim demonstravam, com a assiduidade e
unanimidade da sua oração, que Deus «faz habitar sob o mesmo teto todos os que
estão de acordo» (Sl. 57, 7) e não admite à Sua divina e eterna habitação senão
aqueles cuja oração é comum e unânime.
São Cipriano, Bispo de Cartago (+258)
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